O governo Lula e o consórcio que montou com o Supremo Tribunal Federal para aplicar o maior conto do vigário jamais visto na história política do Brasil estão passando por aquilo que os médicos de UTI chamam de falência múltipla de órgãos.
Os sintomas estão aparecendo em todos os aparelhos de controle.
O último é a insuficiência crônica, e talvez irreversível, de povo: o organismo não responde mais a nenhum estímulo para gerar as doses mínimas de apoio popular de que uma democracia precisa. Gastam fortunas, mais uma vez, para montar em Brasília uma manifestação de rua destinada a exibir sua força e, com isso, calar a boca da oposição. Acontece o oposto.
Enquanto a oposição ocupava a Avenida Paulista com uma multidão, como em tantas outras vezes, o governo se viu humilhado pelo mais miserável fracasso de público que já teve em seu um ano e meio de vida. Lula, a esquerda e os seus sistemas de apoio reagiram mal. De novo, em vez de perguntarem a si próprios por que o adversário continua levando o povo às ruas, e eles nunca conseguem levar ninguém, desataram a negar a realidade que o mundo inteiro estava vendo ao vivo em vídeos, áudios e fotos.
A manifestação de massa na Paulista, disseram, era uma reunião de “bolsonaristas”. Havia um quarto, apenas, dos manifestantes que foram à rua no protesto de fevereiro, segundo a USP. As camisas amarelas, na versão oficial, eram uma cópia das “camisas negras” do fascismo. Jair Bolsonaro saiu “enfraquecido”. Em suma: foi uma derrota para a “extrema direita”. E em Brasília? O que se viu foi uma paisagem de filme-catástrofe. A Esplanada dos Ministérios, pela prova das imagens, era um cenário sinistro: em vez de povo, só havia polícia, tanque de guerra e o palanque de Lula e de Alexandre de Moraes.
Foi essa a “demonstração de força” que Lula e o STF conseguiram montar. Na verdade, o que se viu ali foi a tomografia de um governo doente. Está muito mal de vida, evidentemente, um governo que acha uma boa ideia botar o presidente da República ao lado do personagem público mais odiado do Brasil no desfile do 7 de Setembro — e, pior ainda, fazer dele o grande astro da encenação.
Lula, com isso, quis mostrar que tem o apoio do ministro que prende gente, faz censura, toca terror, expulsa o X do Brasil — e proíbe 20 milhões de brasileiros de se expressarem nas redes sociais. O ministro mostrou que tem o apoio de Lula. Só que nenhum deles quer perceber que isso é uma deformação flagrante da ordem jurídica. O STF não pode dizer que é “a favor” do governo; justiça existe para aplicar a lei, e não para “apoiar” ninguém.
Para chutar geral o balde, puseram Moraes como presidente do STF, e deixaram o presidente legal olhando a cena com cara de pamonha.
Mais trágico ainda foi o que houve fora do palanque. Na frente de Lula, de Moraes e dos escroques que sempre fazem maioria nos coretos do governo, estendia-se, a perder de vista, um deserto sem sinais de vida humana. Foi como se Godzilla tivesse passado meia hora antes por ali: a única coisa que se podia ver era o Exército e sua tropa, estilo Coreia do Norte, Rússia, Irã e outras grandes estrelas do “campo progressista” mundial.
No tempo do regime militar, o PT chamava isso de “vergonha”. Hoje, acha que é o seu orgulho — coisa perfeitamente natural, quando se considera que nada fascina tanto a esquerda como uma farda. Na verdade, o conjunto inteiro era a prova mais óbvia do que é, no mundo das realidades, o governo Lula: uma criação do STF, que o tirou da cadeia e colocou na Presidência da República,
É isso, e não mais do que isso, o verdadeiro governo Lula: a ausência de povo em Brasília é a repetição da ausência de voto na eleição de 2022. Onde teriam ido parar, hoje, os seus eleitores de dois anos atrás, que não aparecem nunca em praça pública? Lula deixa claro a cada dia que sobrevive unicamente através dos aparelhos de respiração do Supremo e das Forças Armadas. É isso tudo o que tem, mais as gangues partidárias do Congresso.
É com elas que governa o país desde 1º de janeiro de 2023, traficando emendas orçamentárias e dando empregos para o baixo mundo do “centrão” e da esquerda que só vive com dinheiro do Tesouro Nacional. Não tem, realmente, nenhuma outra ideia do que fazer no governo além dessa privatização do Erário em favor dos amigos, dos amigos dos amigos e de quem estiver vendendo apoio. É coisa de quadrilha — protegida pela polícia do STF e do Exército Brasileiro.
É esse “dispositivo de segurança” duplo que permite hoje a sobrevida de um governo que está internado na UTI desde o seu primeiro dia. Nenhum dos monitores que as democracias empregam para vigiar a saúde de seus governos está em funcionamento — em muitos, na verdade, o que aparece na tela é a linha do morto, que não se mexe mais nem para cima nem para baixo. Não há um sistema legal em vigor — o que existia foi suprimido pelo ministro Moraes e por seus seguidores no STF.
Não se trata, aqui, de um ponto de vista. Não há ordenamento jurídico, objetivamente, num país onde a lei suprema é um inquérito policial aberto há cinco anos, dirigido por Moraes com poderes absolutos e sem data para acabar. É 100% ilegal — e 100% aceito pelos que mandam como uma conquista da democracia que está nos salvando do “bolsonarismo”, como diz o presidente Barroso, e da “extrema direita”, como dizem o PT, a mídia em geral e os bilionários de esquerda.
É uma combinação que não pode dar certo — o ilegal que se junta ao aplauso dos gatos gordos. É daí que vem a prisão preventiva sem prazo de encerramento. É daí que vem a censura das redes sociais. É o que permite condenar cidadãos a até 17 anos de cadeia por delitos que não cometeram — e nem podem ter cometido, pois são crimes impossíveis. É daí que vêm a supressão dos direitos dos advogados e a morte na prisão por recusa do STF em permitir tratamento médico adequado.
É a causa da prisão para obter delações. É a absolvição sistemática, no tribunal de Justiça mais alto do Brasil, dos acusados de corrupção — ou o perdão de multas bilionárias para empresas amigas que tinham confessado voluntariamente sua roubalheira. É a anulação continuada de leis aprovadas pelo Congresso. É o julgamento no STF de pessoas que não podem, por lei, ser julgadas no STF — o que lhes tira o direito universal de recorrer à instância superior.
J.R. Guzzo, para a REVISTA OESTE do dia 13 de Setembro de 2024